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Histórias do Mundial: A história do embate entre Battiston e Schumacher

Histórias do Mundial: A história do embate entre Battiston e Schumacher

Com o Mundial de 2022 no Qatar em disputamos, olhamos para os momentos que marcaram o Mundial de futebol e que permanecem até hoje na nossa memória, sejam eles bons ou maus. Quer seja a expulsão de Michael Owen quando tinha 17 anos no Mundial de 1998 em França, ou o momento “La Mano de Dios” de Diego Maradona no Mundial de 1986 no México, a verdade é que estas memórias ficam para sempre connosco.

Para os fãs com mais idade, a vitória da Itália contra a Alemanha Ocidental no Mundial de 1982 em Espanha de certeza que continua na sua memória. Na altura, a seleção italiana era treinada pelo Enzo Bearzot e o capitão da equipa era o guarda-redes Dino Zoff. A estes nomes junta-se o extraordinário marcador Paolo Rossi, que liderava o ataque da Itália. A seleção italiana manteve-se firme durante a fase de grupos, na qual empatou em três jogos e depois entrou em ação nas eliminatórias, onde derrotaram a Argentina, o Brasil e a Polónia, antes de derrotar os alemães por 3-1 na final. 

Memorável por vários motivos

Para quem não é italiano, a principal memória deste Mundial está associada ao incidente associado ao guarda-redes Harald Schumacher na semifinal entre a Alemanha Ocidental e a França, um jogo conhecido com a “Noite de Sevilha”. 

Este jogo é considerado por muitos como um dos melhores ou piores jogos de todos os tempos e o melhor ou pior do Mundial de Futebol, dependendo da perspetiva. O jogo decorreu no estádio Ramón Sánchez Pizjuán e estas duas seleções contemplaram os adeptos com um jogo que ficará para sempre nas suas memórias.

Este foi um jogo completo com direito a tudo o que se pode querer ver no futebol: muita ação, uma resistência defensiva e jogadas ousadas, principalmente quando os centrais franceses tocavam na bola. Além disto, assistimos também a contra-ataques arrebatadores e grandes golos. O jogo também contou com uma das colisões mais famosas na história do Mundial de futebol.

Ao minuto 50, o treinador francês Michel Hidalgo fez algumas alterações na segunda parte do jogo, trazendo para campo o defesa Patrick Battiston. Com o jogo empatado a 1-1, apenas 10 minutos após a sua entrada, Battiston encontrou-se em era o jogador mais avançado da França e liderava o ataque.

Michel Platini, que era considerado por todos o melhor jogador da sua geração, fez um remate brilhante para Battiston e ele usa esta oportunidade e corre para baliza para tentar marcar. Battiston rematou ao chegar à grande área e logo depois do remate bate de frente contra o guarda-redes da Alemanha Ocidental, Harald Schumacher. Acabou por não ser golo e o embate entre os dois jogadores foi mais grave do que o que se pensava.

Schumacher tentou defender-se do golo tarde de mais, tão tarde que a bola já tinha sido rematada quando ele salta contra Battiston a 1 metro acima do chão, mandando todo o seu peso para cima da cabeça do defesa francês, que cai no chão de forma devastadora. O momento em que ocorre o embate entre os dois jogadores é tão impressionante que deve ser visto para compreender a intensidade. Se tal incidente já seria considerado uma loucura na UFC, num campo de futebol era indescritível. 

O resultado de um embate tão infeliz e extremamente violento deixou Battistion inconsciente no campo. Além disso, o jogador tinha perdidos vários dentes como resultado do embate. Após inspeção médica, descobriu-se que ele tinha sofrido danos significativos nas vértebras, o que mais tarde o levou a entrar em coma. 

O seu colega de seleção Michel Platini foi o primeiro a aperceber-se da gravidade da situação após a colisão com Schumacher. O capitão francês disse aos repórteres depois do jogo em Sevilha que primeiro pensou que o Battiston pudesse estar morto por não ter pulso e estar muito pálido.

No entanto, o mais bizarro de esta situação não foi o facto de que Schumacher tenha saltado do chão antes de bater contra Battistion para que colisão tivesse mais impacto, mas sim o facto de o árbitro responsável pelo jogo, um holandês chamado Charles Corver, não marcasse falta após este incidente. Mais tarde, o árbitro disse que se no momento tivesse percebido como o embate tinha ocorrido, teria marcado falta e expulsado Schumacher do jogo.

Battiston teve de receber oxigénio ainda em campo e só depois é que foi retirado numa maca pela equipa médica. O árbitro retomou o jogo e deu aos alemães um pontapé de baliza que teria de ser defendido pelo guarda-redes Schumacher.

O jogo seguiu com uma força extra da seleção francesa que tentava desesperadamente ganhar o jogo para honrar o seu companheiro de equipa. A França acabou por não conseguir ganhar o jogo, mas ficou muito perto disso quando o defesa Maxime Bossis fez um lançamento que bateu na barra a poucos minutos do final do jogo. Como o jogo chegou ao final da 2.ª parte empatado, seguiu para tempo extra. Os franceses conseguiram começar com vantagem graças a um golo de Marius Trésor aos 92 minutos.

Apenas seis minutos depois, quando Alain Giresse marcou, parecia que o jogo estava ganho já que a França liderava com dois golos de avanço. O jogo estava a 3-1 e afigurar-se que seria feita justiça e a França conseguiria vencer.

O jogo aproximava-se do fim e só restavam 20 minutos à Alemanha Ocidental para tentar contornar o resultado. A equipa estava determinada a conseguir inverter o jogo e um golo de Karl-Heinz ao minuto 102 deu nova esperança à seleção da Alemanha Ocidental. Karl-Heinz mostrou mais uma vez a sua qualidade e acabou por ser o segundo melhor marcador do Mundial, com cinco golos no total. Este golo deu impulso aos jogadores e abriu caminho para um novo golo seis minutos mais tarde, conseguido pelo avançado Klaus Fischer.

O jogo ficou novamente empatado e com o final do tempo extra o jogo seguiu para os penáltis. Isto favoreceu a equipa alemã, e olhando ao seu historial em penáltis, seria provável que fosse a vencedora. Os penáltis terminaram com a vitória da Alemanha Ocidental que conseguiu acertar com 5 bolas na baliza contra 4 da França. O facto de Schumacher continuar a jogar fez toda a diferença e foi ele que conseguiu defender o único penálti falhado da Alemanha Ocidental que tinha sido rematado por Maxime Bossis.

No Mundial de 1982, a França tinha a equipa com o melhor meio-campo do mundo e muitos pensaram que seria capaz ganhar a competição. Dos nomes que mais chamavam à atenção, destacam-se as estrelas Michel Platini, Alain Giresse e Marius Trésor. Há quem acredite que se não tivesse acontecido este incidente durante o jogo contra a Alemanha Ocidental, particularmente depois de Schumacher ter saído impune, que a seleção francesa teria ganho o Mundial. Este foi sempre um caso em que se especulou sobre o que teria acontecido sem este incidente, porque a verdade é que neste ano a França levou ao mundial uma das suas melhores equipas de sempre.

Para a seleção da Alemanha Ocidental, incluindo Schumacher, o Mundial continuou normalmente e conseguiram chegar à final contra a Itália. O facto de Schumacher continuar no Mundial acabou por não correr nada bem na final. A Alemanha Ocidental sofreu três golos até conseguir marcar um, acabando assim por perder na final e não conseguir levar o troféu para casa.

O que veio a seguir para Battiston e Schumacher?

Harald Schumacher jogou 548 vezes ao nível de clube, integrando o FC Koln entre 1978 e 1983, em que ganhou um título da Bundesliga e três vezes a Copa da Alemanha. No final da sua carreira, Schumacher contava com 76 jogos com a camisola da Alemanha Ocidental, tendo participado em dois Mundiais de Futebol, incluindo a edição de 1986, aonde voltaria a encontrar a seleção francesa, assim como Patrick Battiston. O jogador francês afirmou antes do jogo que já tinha perdoado e esquecido toda a situação que ocorreu quatro anos antes.

Apesar de ter jogado na final do Mundial de 1982 e 1986, Schumacher nunca chegou ao título de campeão mundial. Conseguiu, porém, ganhar o Campeonato Europeu de Futebol em 1980.

Após se ter reformado, Schumacher seguiu uma carreira como treinador de futebol. Ele foi responsável pela formação de vários guarda-redes de equipas como o Borussia Dortmund e o Bayern de Munique.

Após cuidados médicos e tratamento, Battiston conseguiu recuperar totalmente do embate que aconteceu em 1982, daí ter estado presente no Mundial seguinte. O jogador francês voltou a jogar e no final da sua carreira já contava com 557 presenças em jogos de clube. Ele ganhou vários troféus do campeonato francês com o Saint-Étienne, Bordeaux e o Mónaco. Battiston foi definitivamente um jogador muito importante para a seleção francesa na década de 80, participando em 56 jogos e, em 1984, alcançou em casa o título do Campeonato Europeu de Futebol. 

Após se reformar, Battiston regressou ao Bordeaux onde jogou durante alguns anos. Desta vez, integrou o clube como chefe da academia, assim como parte integrante do clube em que conseguiu contratar alguns jovens jogadores com muito talento.

Tanto Battiston como Schumacher não queriam que os seus legados futebolísticos se resumissem a um único momento que ambos provavelmente gostariam de esquecer. Por isso, apresentei também este pequeno resumo da carreira de cada um para dar uma visão mais alargada das suas vidas no futebol. 

A verdade é que graças àqueles segundos no estádio Ramón Sánchez Pizjuán, os seus nomes ficaram para sempre na memória dos adeptos. Assim, mesmo já tendo passado 40 anos desde o Mundial de 1982, os adeptos nascidos muito depois daquele jogo reconhecem os nomes de Battiston e Schumacher.